E DA COSTELA DE ADÃO, DEUS FEZ EVA.
“CARNE DA MINHA CARNE, O UM SE FEZ EM DOIS”
E A DUALIDADE COMEÇA AI...
Seres esféricos, fortes e vigorosos tentam galgar o Olimpo, a montanha sagrada onde moram os deuses gregos. Querem o poder. Possuem os dois sexos ao mesmo tempo, quatro mãos, quatro pernas e duas faces idênticas em sentidos opostos.
Diante do perigo, o chefe de todos os deuses, Zeus, decide cortar ao meio os andróginos (do grego Andrós, aquele que fecunda, o macho, o homem viril e Guynaikós, mulher, fêmea).
“Sede Humildes”, trovejou o grande Deus, ao enfraquecer o homem e a mulher, assim criados, Zeus condenou cada metade a buscar a outra, o desejo extremo de reunir-se e curar a angustiada e ferida natu-reza humana.
Quem me conhece, sabe que muito antes de seguir uma carreira na maquilhagem, a minha formação é em antropologia e claro como não poderia deixar de ser, o assunto Androginia, puxou pela minha curiosidade.
Nada mais poderia ser tão perfeito:
MODA + ANDRÓGINA = CURIOSIDADE PARA ANTROPOLOGIA.
Vários antropólogos defendem que a androginia, é unicamente um fenómeno cultural.
Na Alemanha pré-nazista dos anos 20, por exemplo o ar masculino e os cabelos curtos usado pelas mulheres era pura contestação ao ideal feminino nazi de que as mulheres precisavam ser valquírias robustas de longos cabelos loiros, que viviam em regime dos 3 K’s: Kinder, Kuche, Kirche(Crianças, Cozinha e Igreja).
O inconsciente humano sempre confundiu os 2 géneros. Os escultores Gregos clássicos, fundiam feminino e masculino de tal forma que os restauradores modernos equivocavam-se reconstruindo rapazes adolescentes, como se fossem meninas. Os antigos baixo-relevos da India, onde quase não há separação do sexo. O próprio Andy Warhol fez uma Marilyn Monroe, que é ele próprio.
A empresária e especialista em moda Constanza Pascolato há anos que analisa a influência da androginia no estilismo.” A moda contemporânea não pára de brincar com as diferenças entre géneros, com isso expressamos a nossa vontade mutante, sobre o que é ser homem e mulher”, escreveu em 1988, mas fui procurar de que forma a opinião dela teria evoluído ou não sobre o assunto e hoje ela acrescenta “um ligeiro toque de ambiguidade aumenta o lado sensual das pessoas.
O masculino e o feminino exagerados são menos sexys.
Há uma qualidade misteriosa em Marlene Dietrich e Greta Garbo, que vem em parte da sugestão da virilidade lá no fundo das suas personalidades”.
A psicóloga, Leniza Castello Branco, de Sãõ Paulo, completa e clarifica o raciocínio:”A mulher recupera o seu lado masculino, sem se tornar lésbica e o homem o seu lado feminino sem se tornar gay. Por causa do reprimido existe o carnaval em muitas culturas porque permite a vivência do contrário, a inversão. O pobre veste-se de rico, o homem de mulher, alguns de animais. O carnaval é a festa de Dionisio, o deus pagão que representava o campo, a fertilidade, o vinho. Ele nasceu da perna de Zeus, um andrógino, pois gestou um filho”.
David Bowie, Grace Jones, Boy George, Sinéad O’connor, Michael Jackson, Ney Matogrosso, Freddy Mercury, Prince, entre outros, abriram caminho para os tempos modernos, foram o “principio” assumido e a sua importância para a sociedade é indiscutível.
Sarah Jessica Parker no filme O Sexo e a Cidade, aparece sem verniz, e com pouca maquilhagem, para que uma certa austeridade e masculinidade faça contraste com roupas muito femininas.
Mas esta nova geração, em que os traços masculinos e femininos praticamente não se distiguem, começa com Kate Moss, nos anos 90, que depois de Top models cheias de curvas aparece muito magra e sem maquilhagem.
Embora só agora este tema começe a ser falado outra vez com o manequim Australiano Andrej Pejic, a desfilar como mulher, já em 2010 o modelo transexual brasileira Lea T. fez a campanha da Givenchy e muitos desfiles.
Para falar um pouco na 1ª pessoa e deixar aqui a minha opinião enquanto maquilhadora, preciso apresentar - GONE MONTEIRO,
tem 18 anos e estuda pintura na Faculdade das Belas Artes, vem do Algarve.
Tem muita gente que o inspira, mas não consegue escolher só uma pessoa, de alguns nomes que me deu falou na pintora Paula Rego ou o fotografo Tim Walker e na moda Alexander McQueen
Conheci-o numa coffee shop em Lisboa e não conseguia desviar os olhos.
Tal como diz o ditado " A curiosidade matou o gato", não resisti e convidei-o para responder algumas perguntas. Vi a oportunidade de fazer parte de um grupo de profissionais que vai assistir ao nascimento de mais uma viragem no mundo da moda e na sociedade e desta vez estou cá para contar mais tarde..
Estes rapazes com traços muito femininos, são para mim agora o futuro. Homens e mulheres em que se reconhece o talento e a beleza antes de qualquer julgamento, preconceito, sexo ou sexualidade.
Finalmente será que caminhamos para a igualdade? Será que de futuro o sexo deixa de ter importância e todos vão amar todos por igual? Deixo isso ao vosso critério, mas numa visão, se calhar da minha parte muito romântica, acredito que daqui para a frente, a espécie humana será aperfeiçoada ainda mais para esta beleza quase etérea e nada terrena.
Visão romântica ou não, a vontade de ter só para mim um destes rapazes para vestir, despir, maquilhar e desmaquilhar é muito egoísta e claro que não deixa de ser uma forma de preconceito, mas tal como em outras décadas é muito atractivo sexualmente, a sensação de quebrar barreiras, quebrar tabus e viajar no desconhecido. Pela primeira vez sinto-me atraída não por um sexo mas por uma beleza. Por breves momentos menos lúcidos, apetecia-me ter outra vez 20 anos, na esperança que ele se apaixona-se por mim.
CALMA!É platónico!Não quero assustar o meu convidado ou leitores! Mas olhem só para ele...é tão perfeito...
Tão perfeito que nem parece real.
Embora já conhece-se as noticias internacionais, ao ver o Gone ali mesmo ao meu lado, apercebi-me que agora esta androginia não se vai ficar só pelos desfiles ou mundo das artes.
De facto ainda se estranha um pouco mas espero que depressa se entranhe.
Fica a entrevista a Gone Monteiro, para quem ainda acha que estes rapazes são tontos e gostam de se vestir e maquilhar de mulher só para dar nas vistas.
Espero que gostem tanto como eu gostei de conhecer o Gone, desde já o meu obrigada a ele pela participação e disponibilidade!
ENTREVISTA
Beauty Market: Porque escolhes-te o curso de pintura?
Gone Monteiro: Estive indeciso entre o Design de Moda ou Pintura e Ilustração, como pintava sempre raparigas nuas, deixou de fazer sentido ir para Design de moda, "o que é que eu ia fazer se as raparigas nos meus desenhos estavam sempre nuas", como sempre tive boas notas a desenho, todos diziam que tinha muito jeito e sempre me considerei uma pessoa criativa, ver uma pintura acabada é uma sensação muito gratificante e é uma sensação que não consigo comparar a nada.
Beauty Market: Aplicas-te no curso e queres tirar sempre boas notas?
Gone Monteiro: Sim, definitivamente, principalmente nos dias de hoje, temos que investir na formação e se tenho possibilidade de estudar só tenho que me aplicar.
Beauty Market: Dás mais valor ao conhecimento ou á fama? porque a imagem que tens dá muito nas vistas e as pessoas não conseguem deixar de reparar.
Gone Monteiro: Uma coisa que sempre tive em mente, desde muito novo é ter especial cuidado com a apresentação e sempre me senti confortável com a minha imagem, estaria a lutar comigo próprio se não fosse eu mesmo e não me vestisse como gosto. Como Vivianne Westwood diz " You have a much better life if you wear impressive clothes"
Beauty Market:Corrigias alguma coisa em ti fisicamente?
Gone Monteiro: Não!
Beauty Market: Porque gosta de moda?
Gone Monteiro: Enquanto a pintura é uma forma de expressão do ponto de vista do artista, na moda as pessoas podem expressar-se através da roupa, estar sempre a reciclar a criar e a renovar, isso acho muito interessante olhar para alguém e perceber como ela é através da forma como se veste
Beauty Market: As pessoas da tua geração tem fama de serem cabeças no ar e sem respeito por ninguém. O que pensas sobre isso?
Gone Monteiro: Eu acho que as pessoas mais velhas dizem que esta geração está perdida, mas quem é que educou a geração mais nova? Existem muitas influências, mas no geral a minha geração está a tentar adaptar-se aos dias de hoje, o processo de globalização dá-nos muitas opções, tudo é acessível e nós sofremos com isso, mas não acho que isso seja mau, de certa forma não há o respeito de antigamente mas é uma questão de habituação, eu por exemplo considero-me uma pessoa muito educada, é tudo uma questão de princípios.
Beauty Market:És bem aceite pelos teus colegas? Porque muitas vezes maquilhas-e como uma mulher.
Gone Monteiro: Nunca senti preconceito de ninguém, por parte dos meus colegas muito menos. Ás vezes existe a tentação de me chamarem menina, mas acho interessante do ponto de vista estético, brincar com os limites e com o que é masculino e feminino. Aliás isso estuda-se em cultura visual. Nunca me senti rejeitado ou pressionado a mudar.
Beauty Market:O curso que estás a tirar está a corresponder ás tuas expectativas?
Gone Monteiro: Os professores são muito exigentes e nós caímos na faculdade de para-quedas e ficámos a pensar que se calhar não é o que estamos á espera, mas já deixei o que fazia no secundário de parte, agora vou considerar outras coisas, mas a exigência é bom e a diversidade faz com que não façamos sempre a mesma coisa. Estou muito contente com o curso e da Faculdade de Belas Artes.
Beauty Market: O que eu noto principalmente em ti, é que a tua maquilhagem é muito actual, onde te inspiras?
Gone Monteiro: Sempre fui leitor de revistas de moda, sempre gostei muito de maquilhagem, porque acho que isso complementa o outfit.Vejo muitos video no Youtube, mas não sou muito de tendências, tento jogar sempre com os meus traços, vejo tudo, posso ir buscar inspiração mas adequou sempre a mim, porque não devemos ser Fashion Victims, muitas vezes o que fica bem aos outros não ficam bem em nós.
Beauty Market: Sais facilmente da tua zona de conforto ou vais sempre aos mesmos sítios com as mesmas pessoas para não seres observado e julgado?
Gone Monteiro: Eu sempre fiz o que me apetecia, Pode chocar ás vezes as pessoas, mas isso nunca condicionou a minha imagem.Da zona onde venho é muito restrito, mas nunca deixei de ser eu, as pessoas podem gostar mais ou menos, mas tem de aceitar.
Beauty Market: Achas que a geração seguinte ainda se vai aperfeiçoar mais a beleza?
Gone Monteiro: A unica coisa que sei é que vou deixar crescer ainda mais o cabelo. Não sei o que vem a seguir mas só acho que caminhamos para uma naturalidade maior.
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